(Foto de Oleksandr P: pexel.com)

 

Domingo, 17 de março
QUINTO DOMINGO DA QUARESMA – ANO B
João 12, 20-33

 

Aqui estamos no quinto domingo da Quaresma, no qual começamos a vislumbrar a noite de Jesus, a sua Páscoa. A passagem de hoje é quase uma condensação do evangelho de João. Estamos no Capítulo 12, mas os próximos sete capítulos narram o último dia de Jesus. Nesta história já encontramos aquilo que falta no quarto Evangelho: a história do Jardim de Getsêmani.

A passagem começa dizendo que “havia alguns gregos”. Alguns versículos antes, os fariseus tinham reclamado: “Bem estais vendo que não conseguireis nada: eis que todo mundo se põe a segui-lo!” O mundo inteiro, inclusive os pagãos, quer conhecer Jesus. Não eram os verdadeiros judeus, mas simpatizantes; nem iniciados, nem especialistas na lei. E nós, por nossa vez, somos os gregos, os prosélitos que vamos à festa em Jerusalém atraídos pela multidão, mas talvez sem conhecer todos os detalhes. Somos animados pelo espírito do povo.

Eles não vão diretamente a Jesus — assim como talvez nenhum de nós seja chamado diretamente por ele, mas sempre buscamos intermediários: padres, frades, mestres e mestras, pais ou mães espirituais. Os gregos vão até Filipe, talvez por acharem o nome familiar (Φιλίππῳ é um nome grego). Talvez também ele fosse um dos discípulos presentes quando João Batista apontou: “Eis o Cordeiro de Deus”. Também nós buscamos o contato com aqueles que consideramos familiares, que nos inspiram confiança. E Filipe vai a André (Ἀνδρέᾳ é outro nome grego), discípulo da décima hora. Juntos, eles vão até Jesus.

A resposta de Jesus a eles nos choca. Seria normal pensarmos em avaliar a missão com base nos resultados. Estamos habituados a sempre fazer balanços e medir o sucesso com base nos resultados. Mas eis que, em vez de se alegrar, Jesus diz a Filipe e a André: “É chegada a hora”. No final desse evangelho surge a palavra ὥρα, o tempo, a ‘hora’ que marcou os vários momentos da narrativa de João. Em Caná Jesus diz: “Que queres de mim, mulher? A minha hora ainda não chegou” (Jo 2, 4); à mulher samaritana junto ao poço, diz: “Mas vem a hora, e é agora, na qual os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade” (Jo 4, 23); no Capítulo 5 ele afirma: “vem a hora — e é agora — em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus e os que a tiverem ouvido viverão” (Jo 5, 25); seus opositores tentavam capturá-lo “mas ninguém conseguiu pôr-lhe as mãos, porque a sua hora ainda não chegara” (Jo 7, 30). E no último dia de Jesus, sempre veremos o destaque em como a hora havia chegado. Que hora? O tempo da cruz, da glória.

A glória, o sentido da missão de Jesus, pode ser vista a partir do grão. Se comemos um grão, acabamos mastigando uma semente. Mas se a semente for plantada, ela morre, dá frutos e ficamos satisfeitos. Aqui é que está a diferença. Este é o dom: dar frutos. Não se trata apenas de morrer por morrer, não é querer sofrer, mas é abrir mão de tudo para dar frutos. O gesto extremo do amor. Toda a paixão que será narrada daqui em diante no Evangelho de João é a história deste grão de trigo que morre. Os gregos querem ver Jesus, e ele responde que poderão vê-lo quando ele for colocado no alto da cruz.

“Quem ama a sua vida perde-a” é uma expressão que contém o sentido da vida, que nos leva às origens da criação de Deus. Por que fomos criados? Qual é o sonho que Deus tem para nós? Amar! Mas devemos ter cuidado com o que queremos amar: o risco é nos tornarmos egoístas. Pensemos no ar, um bem absolutamente precioso do qual nenhum de nós pode prescindir por mais do que alguns segundos, um bem precioso que Deus nos oferece gratuitamente. Imaginemos agora que queiramos tomar posse desse bem, armazená-lo e guardá-lo só para nós. Acabaríamos asfixiados! Da mesma forma, quando nos apegamos a tudo, quando tomamos posse das relações e da casa comum, sem nos darmos conta acabamos perdendo tudo. Francisco de Assis encontrou a felicidade em viver sem nada próprio. Francisco odiava a própria vida.

A consequência disso é uma vida plena, rica em relações, alimentada de serviço. “Se alguém me servir, o Pai o honrará.” Quanta dignidade há nestas palavras, quantas pessoas servem a Deus em silêncio! Mas tudo isso, bem sabemos, não é brincadeira, e Jesus é o primeiro a lutar precisamente contra a angústia desta hora. É o Getsêmani não contado por João: “Agora a minha alma está perturbada”. Talvez não tenhamos atentado a isso, mas todos os elementos que contemplaremos na Quinta-feira Santa já estão presentes aqui. Aqui encontramos a perturbação, como dissemos; a oração ao Pai, Abba, a quem Jesus implora, prostrado no chão; o desejo de afastar este cálice, quando ele afirma: “Que direi? Pai, salva-me desta hora?”; o tema da vontade, não a minha mas a tua, quando ele diz: “Pai, glorifica o teu nome!” À sua maneira e noutro contexto temporal, João também nos mostra o drama do lagar de azeite (Getsêmani)  em Jerusalém.

Até mesmo a Transfiguração, acontecimento não narrado no Evangelho de João, está contida na cena seguinte, na voz que vem do céu e que nos interpela a todos, dizendo: “Eu o glorifiquei e o glorificarei ainda”. Como na narrativa dos sinóticos, o acontecimento do Tabor não ocorre para o benefício de Jesus — que não precisou dialogar com Moisés e Elias — mas para o benefício dos três discípulos que representam todos os nossos limites humanos. Jesus, respondendo à multidão que não entende, explica o significado da cruz, julgamento deste mundo. Sempre imaginamos um Deus juiz, pronto a condenar, e Jesus, em vez disso, mostra-nos o rosto do Pai erguido no madeiro da cruz.

São Francisco de Assis, no Cântico das Criaturas, exalta aqueles que oferecem a vida pelos outros, quando canta: 

Louvado sejas, meu Senhor, 

Pelos que perdoam por teu amor, 

E suportam enfermidades e tribulações. 

Bem aventurados os que sustentam a paz,
Que por ti, Altíssimo, serão coroados.

Não é por acaso que o tema da coroação aparece em Francisco, inspirado na glorificação de que fala a voz do céu.

Desejamos a você de todo o coração um bom domingo, a caminho da Páscoa do Senhor, acompanhados da Sua palavra!

Laudato Si’!